sábado, 6 de novembro de 2010

Pecados

Talvez por ser pastor, Antônio Cláudio era obcecado pelos pormenores da Bíblia. Mas nada o impressionava mais do que os sete pecados capitais. Era fácil encontrá-lo discorrendo sobre este tema. No entanto, seus seguidores já não mais sentiam encantamento com as tão bem colocadas palavras deste sacerdote protestante. Achavam que ele batia em demasia em uma única tecla; ou melhor, em sete teclas. Mas o assunto o intrigava e fascinava. Passava noites a ouvir corujas e estudar exaustiva e minuciosamente cada um dos pecados.
Sua família já não o conhecia. Na verdade, Antônio já nem se lembrava da voz e do gosto de sua esposa. Seus filhos o ignoravam com a naturalidade de quem vê todo dia um móvel velho no canto da sala, sem lembrar que este existe. Mas o sentimento de rejeição nem mesmo brotava na mente do pastor; ele expelia o cotidiano como quem joga fora um bagaço de laranja.
Em seu templo, as ovelhas tramavam uma troca de líder. As beatas achavam que o mentor espiritual estava possuído pelo “coisa ruim”, e que precisava ser exorcizado imediatamente. Aos poucos, este ignorante sentimento começou a se multiplicar com um ímpeto inexplicável, como uma cólera sem controle, e os “irmãos” resolveram tomar uma providência.
Em “noite de cura”, como era chamado o ritual de purificação do culto, os integrantes daquela comunidade evangélica determinaram que a salvação do pastor não poderia sofrer nem mais um dia de retardamento. Não era possível que uma pessoa sapiente como ele continuasse com aquela ideia fixa, esquecendo-se de suas obrigações religiosas e matrimoniais; esquecendo-se quem era e para que paraíso conduziria seu rebanho.
Ao chegar, como sempre mergulhado em indagações e pensamentos fugazes, Antônio Cláudio percebeu lentamente uma movimentação estranha, singular, que inquietou sua alma. No entanto, distraiu-se novamente com suas reflexões e continuou a preparação para a pregação daquela noite. Ao se colocar em seu lugar, foi agarrado bruscamente por dois homens que estavam em sua retaguarda. Quando olhou para o semblante das pessoas que estavam no local, percebeu um ar de ódio e prazer que já havia presenciado em outras oportunidades e percebeu imediatamente o que estava prestes a ocorrer. Ao primeiro vacilo de seus algozes, desvencilhou-se de seus opressores, correu, tropeçando nos pedestais e microfones do palco e jogou-se, como um louco suicida, pela janela do templo. Como a queda não ultrapassava quatro metros, sofreu apenas uma leve torção, o que não o impediu de entrar em seu luxuoso carro e fugir, surpreso, com o rosto quente banhado no frio suor do medo.
No caminho para casa, pensava na esposa como há muito tempo não fazia, ao tempo em que a adrenalina diminuía seu pulsante ritmo. Pensava em abraçá-la. Como um porto naquele momento de tempestade, ela era agora seu único alicerce. Pensou também em seu orgulho, que no momento estava em frangalhos, mas respirou fundo e tentou não sucumbir a este que considerava um dos mais podres dos sete pecados.
Chegando ao seu lar, entrou de súbito, como se procurasse o antídoto de um veneno que estava prestes a tomar seu organismo. Golpeou com toda força a porta de seu quarto, deparando-se com uma cena que jamais poderia fertilmente imaginar: sua mulher, nua, com um desconhecido, na cama de seus sonhos e pesadelos. Cego de fúria, golpeou fatalmente o amante com um pesado abajur que se encontrava próximo. Ao perceber o falecimento daquela impotente figura, os olhos da traidora arregalaram-se e as lágrimas desceram junto com o pavor. Seu marido simplesmente balbuciou: finalmente entendi a ira!