sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Primeiros passos

Paula vivia um momento difícil em sua vida. Típico da adolescência. Mas sua percepção de mundo era precoce. Ela podia discernir com facilidade aquele instante; sabia que era uma fase, que era passageiro. Porém o medo era seu companheiro. Mais presente do que os irmãos ou os colegas da escola. Na realidade, ela se destacava entre os demais de seu grupo social pela inteligência e surpreendente sapiência. Isso, de alguma forma, a afastava das pessoas. Seus talentos assustavam a todos. A ela também.

O que mais impressionava naquela garota era sua busca pelo saber, sua vontade de descobrir, de ultrapassar barreiras. Só que nada feito por Paula convertia-se em felicidade. Ela era arguta, curiosa, inteligente... e infeliz.

Sua mãe era sua melhor amiga, apesar de não manterem uma comunicação contínua. Cláudia também era observadora e há muito havia percebido que sua filha ainda não tinha encontrado o que procurava, e pior, não sabia o que estava procurando. Contatou certa vez um psicólogo, doutor Augusto, muito famoso na pequena cidade onde moravam. Paula não aceitou bem a idéia, mas com o tempo passou a conter sua rebeldia. Ela começava a gostar daquela conversa que parecia despretensiosa, sem nunca ter sido. No entanto, ainda faltava algo para achar o caminho da felicidade.

Foi então que a menina começou a sentir os efeitos da puberdade. A partir deste momento fixou um pensamento: o que faltava na sua vida era um amor. Queria experimentar aquele sentimento que fazia suas colegas ficarem com cara de bobas, segundo ela mesma descrevia. Parecia que um namorado seria a solução para seus problemas. Decidiu fazer mudanças em seu vestuário, o que causou certa estranheza em Cláudia. Maquiagens, sapatos, roupas, eram estes os objetos de sua cobiça agora. Paula estava virando uma mulher.

Para sua mãe foi uma agradável surpresa. Sua filha era bonita; muito bonita. Escondia-se antes atrás de roupas escuras e cabelos desgrenhados. Passou a chamar atenção por onde passava. Na escola não foi diferente. Contudo, aquela garota que a pouco era uma criança ainda sentia-se totalmente insegura quando o assunto era relacionamentos. Sua aptidão para matemática e filosofia ainda não havia convertido em sua vida social. Apesar da beleza, seus colegas ainda a achavam “estranha”; ela ainda estava deslocada entre os de sua idade. Seus namoros sempre começavam com data para acabar.

Com o passar dos anos as coisas não mudaram muito. Paula era agora uma mulher elegante, linda e inteligente, mas extremamente insegura. Seus relacionamentos estavam sempre fadados ao fracasso. Havia mudado para uma cidade maior e conseguido um emprego de alto nível, mas sua vida amorosa não decolava. Costumava lembrar-se dos conselhos do doutor Augusto, que acabou tornando-se uma figura marcante em sua juventude. Lembrava-se com nostalgia daquelas conversas e conselhos. Ele falava sempre nos primeiros passos e coisas parecidas, mas na realidade ela nunca entendera com clareza as advertências daquele homem. Naquela época não tinha maturidade para entendê-las. No dado instante, não tinha tempo.

A monotonia daquela rotina foi quebrada quando conheceu um rapaz que, de certa forma, iria mudar sua vida. Era um advogado recém contratado na empresa em que ela trabalhava. Elegante e bonito, era cobiçado pelas mulheres do local. No entanto, após saber da fama de garota complicada que era atribuída a Paula, o rapaz resolveu que queria sair com ela; queria possuí-la. Começou então a investir naquele futuro namoro.

Não demorou muito e Paula acabou seduzida pelos encantos do causídico. Não havia sido tarefa difícil, pois ela era uma mulher frágil e solitária. O advogado soube penetrar em suas emoções.

Durante um mês os dois saíram, divertiram-se, e ela passou a acreditar que desta vez encontrara o amor. Mas o medo ainda tomava conta de sua alma, e Paula não se entregou de vez àquela paixão. De alguma maneira, sua reserva a fez se sentir forte como nunca, e seus sentimentos tornaram-se melhor controlados. Passou a perceber como funcionava seu coração e como conduzir aquela ligação amorosa.

Seu mundo havia se transformado. Agora Paula sabia as direções que deveria tomar. Todavia, um fato iria alterar o rumo que sua vida parecia ter encontrado. Em uma noite chuvosa, após seu carro ter quebrado depois de um cansativo dia de trabalho, resolveu prosseguir a pé, pois estava já próxima de casa. Ao adentrar em seu bairro, viu uma cena que antes a deixaria deprimida, mas que lhe causou outra reação. Seu namorado estava embaixo de uma marquise, em fervorosos beijos com uma linda moça.

A ira tomou conta de Paula após perceber que ele a havia visto e esboçou, como se dirigido a ela, um sorriso que ultrapassava o sarcasmo e a ironia. Partiu para cima dele, pronta para desferir-lhe um golpe certeiro na face. Ele segurou o braço da agressora e a arremessou com força de encontro ao chão coberto de lama. O advogado saiu andando calmamente, puxando a garota que antes beijava e que agora se esforçava para entender o que estava acontecendo.

Paula ficou incontáveis minutos no chão, sentada, sentindo a chuva forte em suas costas e a lama em seu corpo. Não chorou nem deixou que a raiva tomasse conta de si. Apenas ficou parada, pensando em qual seria seu próximo passo. De súbito, uma mão senil estendeu-se a ela. Um senhor com uma negra capa de chuva e um vistoso guarda-chuva ajudou-a a levantar-se. Quanto ela o olhou nos olhos, percebeu que conhecia aquela figura. Era o doutor Augusto, que, por capricho do destino, havia se mudado para um bairro vizinho e também fora surpreendido pela chuva. Ele havia presenciado toda a cena. Os dois entrelaçaram os braços e começaram a caminhar. Augusto a olhou com ternura e disse:

- Você deu apenas o primeiro passo. Agora você já sabe o caminho!

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